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sábado, 24 de setembro de 2011

O dia que me apaixonei pelo pedinte

Sim. Sujo e carregando ao descaso uma sacola de lã cheia de garrafas de plástico. Queimado do sol e trazendo nos gestos uma sequência de palavras desconexas. No corpo, bermuda e camiseta marrom. Passava despercebido pela platéia que escutava o seu clamor. Mas a mim, não. Não que a argumentação fosse boa, mas o movimento harmônico daquele pedido me fez enxergá-lo.

De repente passou-me pela cabeça coisas acerca do seu mundo. Reparei no anel de prata que emoldurava uma das mãos. Casado? Com quem? Logo, imaginei a sua vida. O cabelo curto e bem cortado. Magrelinho, mas cheio de charme. Indignei-me quando no seu levante de pedidos duas moças fizeram de conta que ele não existia. Como assim? Aos meus olhos era impossível negar atenção àquela criatura.

Ele ia de grupo em grupo e não chegava mais perto. Sempre longe e acompanhado pelos meus olhos. O 47 aportou no Midway. Do ônibus, continuei a enxergá-lo. Olhei mais, mas ele não me reparava. Solitariamente, eu ensaiava esse estado de observação. O ônibus partiu e ele ficou com seus pedidos, suas roupas marrons e seu saco de lã.

Então, eu parei. Ele era um pedinte. Corrigi-me. Ele era um homem.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

“Você tem voz de jornalista”


Lidar com o diferente sempre é uma tarefa complicada. Antes da apuração da matéria, meu único pensamento era “Como me comportar?”. Mas todo o pré-conceito se desfez quando meu entrevistado prontamente mostrou-me que o lugar parecia muito mais minha casa do que eu imaginara.

Lauro Meller me guiou por todo o Instituto de Educação e Reabilitação de Cegos do RN (IERC). Eu, ele e Gleide conversamos durante quase 40 minutos. E assim fui me sentindo mais de casa. Andando pelo lugar percebi que diferente era eu. Eles não. Eles andavam, corriam, jogavam bola, cantavam e me encantavam.

Ao entrar na biblioteca do Instituto aconteceu um dos episódios mais doces da visita. Para registrar as crianças em pleno poder da infância, eu atravessei todo lugar a fim de conseguir a melhor luz para a foto. Daniela, 12, me agarrou. “Quem é?”. Com certo pavor daqueles que não sabem o que fazer, respondi rapidamente. “Oi, sou Kassandra. Posso fazer uma foto de vocês?”. Ela sorriu e me conquistou. “Você tem voz de jornalista”, disse a menina cega. Por ai, vocês imaginam o meu sorriso, que dobrou-se quando ela me relatou que queria seguir os caminhos da Patrícia Poeta.

E a manhã passou velozmente. Sai de lá completamente invadida por aquela alegria. Eles, realmente, não eram capazes de enxergar o meu mundo. Não eram capazes de enxergar minhas expressões de espanto, meu segurar no vestido ou o meu sorriso de foca. Mas eles tinham uma capacidade incrível de sentir. Em sentir de uma forma, que nem o meu poder de ver as cores conseguia.

( Relato fruto de uma matéria produzida para a disciplina Linguagem Jornalística)


sábado, 10 de julho de 2010

Fotografia


O silêncio do tempo
Pausa e ponto
Tudo se fez estátua
Para em segundos virar papel,pessoas e lugares.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

samba número 1.


Sabe aquele samba que você me prometeu. Cadê?
Se perdeu no tempo junto com os nossos sonhos?
Foi para longe com os nossos beijinhos e carinhos ?
Ou se escondeu dentro dos nossos medos ?

É nego, não sei se dá para ficar assim
Você de um lado e eu do outro
Dois tolos sem saber colocar um fim
Do seu samba não quero mais nenhuma melodia
Em outro compasso encontrei minha alegria

Lá talvez encontre paz, uma cerveja e outro dengo
Outro sorriso, cor e direção
Onde eu possa ser feliz longe dos medos
Onde caiba justamente só o meu coração.

sábado, 17 de abril de 2010

a inércia do tempo

A instabilidade do ar, que não decide se é frio ou quente
As ruas gritam silêncio
As pessoas em suas casas trancadas estão embaladas pelo sono
A inércia não deixa alma alguma se mover.

Os medos se enroscam nos cobertores
E a fragilidade dos corações da margem ao chocolate
Presa pelo passado
Porque nada do futuro é pra agora
É tudo pra depois

E leve assim a tarde se esvai
A TV tagarela sussurros inaudíveis
O tempo ainda não se decidiu se é claro ou escuro
E a inércia me faz não mover passo algum
Só os pensamentos que continuam aqui descontrolados.

sábado, 20 de março de 2010

ser humano.

E eu que pensava que de tudo já tinha sentido
Que de tudo já tinha vivido
Vejo que o mundo não é tão desnudo de surpresas
E no próximo passo o drama pode ser nem mais drama
E a alegria volta a pulsar ardentemente nas veias

O rubro do rosto volta acontecer
O coração que de tão frenético se ouve ao longe
As pernas bambas, o frio na barriga que grita
Parece que a melancolia disse arevouar.

E o engraçado é perceber
Que é essa instabilidade que me move (que nos move)
Que me faz não ser só ser, mas ser humano.


Foto:Festival de cores,na Índia. Tirada por :Poras Chaudhary.

terça-feira, 9 de março de 2010

Abre parêntese, saudade.


Que saudades do vestido branco
Das companhias sinceras
Dos abraços sem fim
Das palavras sempre inspiradoras
E aquela casa,tão completa
Repleta de história
Faz falta nos meus dias
É muito triste acordar, sem ver aqueles quase centenários portões
Mas se a saudade eu levo
As lembranças eu guardo
Guardo todo o aprendizado e cidadania que lá me foram cultivados
Guardo as manhãs cansativas
E as tardes a peregrinar por aqueles traços de floresta
Guardo a imensidão de sorrisos
E os olhos chorrosos na despedida
Guardo tanta coisa,guardo tanta gente
E como dói lembrar de tudo como se fosse ontem
Dói no coração a saudade que eu sinto delas
Das minhas queridas,das minhas manhãs,da minha ED.
Foto: entrada da Escola Doméstica de Natal