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sábado, 24 de setembro de 2011

O dia que me apaixonei pelo pedinte

Sim. Sujo e carregando ao descaso uma sacola de lã cheia de garrafas de plástico. Queimado do sol e trazendo nos gestos uma sequência de palavras desconexas. No corpo, bermuda e camiseta marrom. Passava despercebido pela platéia que escutava o seu clamor. Mas a mim, não. Não que a argumentação fosse boa, mas o movimento harmônico daquele pedido me fez enxergá-lo.

De repente passou-me pela cabeça coisas acerca do seu mundo. Reparei no anel de prata que emoldurava uma das mãos. Casado? Com quem? Logo, imaginei a sua vida. O cabelo curto e bem cortado. Magrelinho, mas cheio de charme. Indignei-me quando no seu levante de pedidos duas moças fizeram de conta que ele não existia. Como assim? Aos meus olhos era impossível negar atenção àquela criatura.

Ele ia de grupo em grupo e não chegava mais perto. Sempre longe e acompanhado pelos meus olhos. O 47 aportou no Midway. Do ônibus, continuei a enxergá-lo. Olhei mais, mas ele não me reparava. Solitariamente, eu ensaiava esse estado de observação. O ônibus partiu e ele ficou com seus pedidos, suas roupas marrons e seu saco de lã.

Então, eu parei. Ele era um pedinte. Corrigi-me. Ele era um homem.

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